Jaguar – Havia um jornal chamado Carapuça que supostamente era feito pelo Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, mas quem escrevia tudo mesmo era Alberto Eça. Quando Sérgio Porto morreu, o jornal poderia até continuar como era, mas teriam que dizer que os textos eram psicografados. Os donos chamaram então Tarso de Castro, que fazia um baita sucesso com sua coluna na Última Hora, para continuar com a Carapuça. Tarso encontrou comigo no Jangadeiros e perguntou o que eu achava. “Melhor fechar esse e abrir outro jornal.” Sérgio Cabral já tinha dito a mesma coisa. Então ele nos chamou e eu chamei Claudius para desenhar e Carlos Prósperi para fazer o projeto gráfico.

Claudius – O Prósperi foi essencial porque além de bolar um projeto gráfico belíssimo – do qual acabou se aproveitando pouco – ele trabalhava em publicidade e trouxe vários anunciantes para o jornal, como a Shell.

Ziraldo – Simultaneamente, Claudius, Jaguar, Millôr, Fortuna e eu – que vínhamos das revistas Pif-Paf e Senhor – estávamos pensando em fazer uma nova publicação. Além de nós os cinco velhos chamamos uma garotada liderada pelo Henfil, que vinha do Cartum JS no Jornal dos Sports e do Manequinho no Correio da Manhã. Houve um racha entre os novos e os velhos, a idéia ficou meio parada, mas logo em seguida estávamos todos juntos novamente no Pasquim.

Jaguar – A coisa mais difícil no novo jornal foi escolher o nome. Fazíamos reuniões e mais reuniões, na casa do Magaldi, diretor da Globo, até que acabamos com todo o seu estoque de uisque e ele nos deu um ultimato. Tínhamos 80 nomes! Me lembrei então que a Tribuna da Imprensa, que tinha uma tiragem bem menor do que os outros jornais, era chamado pejorativamente de lanterninha, mas aí adotou a lanterna como símbolo. E falei: “Já que vão xingar a gente de pasquim, vamos nos antecipar e colocar este nome”.

Sérgio Cabral – Nós queríamos começar o jornal ouvindo os opostos, ou seja, pessoas que apoiavam o governo militar. Ligamos então para Roberto Campos. “Embaixador, aqui fala Sérgio Cabral, do jornal Pasquim, e queríamos fazer uma entrevista com o senhor. Seria possível?” “Como é o nome do jornal?” “Pasquim.” “Isso não é nome, isso é uma ameaça!” E desligou o telefone.

AS FINANÇAS DO PASQUIM

Sérgio Cabral – Houve uma grande discussão também para decidir a tiragem do novo jornal. Jaguar achava que não ia vender nada, que cinco mil já seria um exagero. Decidimos por 14 mil e no dia 26 de junho de 1969 lançamos o jornal. No dia seguinte pela manhã já tivemos que rodar mais 14 mil exemplares. A cada número o jornal foi crescendo e em novembro chegamos a 100 mil exemplares. Fizemos a festa mais doida que eu já vi na minha vida. Depois chegamos a passar de 200 mil, uma tiragem estupenda para a época. Era para ficarmos milionários, mas a economia do Pasquim foi um mistério que ninguém conseguiu decifrar. Entrava e saía muito dinheiro sem que ficasse com ninguem, embora eu, Jaguar e Tarso tenhamos sido acusados de ladrões pelo Paulo Francis. Eu fiquei tão duro que fui obrigado a a largar tudo e ir trabalhar em São Paulo. Passei por protestos, despejo de apartamento, principalmente depois de nossa prisão, quando sofremos um boicote dos anunciantes.

Ziraldo – Quando chegou em dezembro, ou seja, ao fim do primeiro ano fiscal, o Pasquim não tinha contabilidade, não tinha balanço, não tinha recolhido nada, e o fisco caiu em cima. Logo nos primeiros seis meses ficamos com uma dívida impagável! E o Pasquim passou os próximos 20 anos pagando uma dívida que só foi aumentando. O que aconteceu com nosso dinheiro? Houve um momento em que – para pagar a dívida – lançamos a série de livros com as anedotas do Pasquim. Vendeu dois milhões e meio de exemplares! Não recebi um tostão de direito autoral! Nem sei para onde isso foi. Fundamos a Editora Codecri e num determinado momento, na lista da Veja dos dez livros mais vendidos, oito eram dessa editora. Mas os direitos foram pessimamente administrados, e nem ficamos milionários nem pagamos a dívida impagável.

Claudius – Toda a história da imprensa alternativa brasileira foi escrita por pessoas que não entendem nada de finanças. Imaginem um jornal projetado para dar lucro se vendesse 20 mil exemplares, que chega a 250 mil, e que consegue dar prejuízo! Houve várias tentativas de darem uma virada na situação. Quando eu vivia na Suíça, fui chamado para voltar a colaborar no jornal por Henfil e Millôr, que diziam estar assumindo a empresa para salvar o Pasquim. Mas também não conseguiram sanar as finanças. Voltei então a colaborar para o Pasquim, sem receber, até ele falecer por falência múltipla de órgãos financiadores. Mas nunca tivemos a idéia de ganhar dinheiro com o Pasquim. O que a gente queria mesmo era sacanear os militares. É preciso lembrar que o Pasquim surgiu seis meses depois do AI-5, quando a repressão estava no seu auge. Fazer um jornal de humor naquele momento era uma porra-louquice total. O verdadeiro mistério do Pasquim foi como ele acabou dando certo, num momento como aquele, e com adminstradores como esses. Deu prejuízo o tempo todo, deixou todo mundo arruinado, mas transformou o Brasil.

AS CAPAS DO PASQUIM

Claudius – Cada capa era uma aventura diferente que a gente vivia a cada semana. Não tinha ninguém responsável por bolar as capas. A gente se reunia momentos antes de fechar a edição e acabava saindo coisas geniais. Tem muitas capas escritas à mão porque nem dava tempo de colocar letraset.

Sérgio Augusto – Mas qualquer coisa feita pelo jornal era vista como genial. Uma vez a edição estava atrasada, todo mundo na gráfica em pânico, porque Tarso não tinha entregue suas duas páginas. Jaguar então falou para mim: “Bota blablablá do início ao fim e assina Tarso de Castro”. Foi o maior sucesso! Muita gente achou que era uma mensagem subliminar contra a censura.

Ziraldo – Você andava na rua e via as bancas cobertas de capas do Pasquim, Ou então abertas nos posters. A primeira capa do Pasquim que teve uma repercussão incrível foi logo no seu primeiro mês quando o homem chegou à Lua. Heron Domingues e Rubem Amaral transmitiram esse episódio de uma maneira tão ridícula! Ao final eles se cumprimentaram como se tivessem eles mesmos pousado na lua: “Parabéns Heron! Parabéns Amaral”! O Pasquim colocou numa manchete pequena: “O HOMEM CHEGOU À LUA. PROVADO: NÃO HÁ VIDA INTELIGENTE NA TELEVISÃO”. Idéia do Jaguar.

Sérgio Cabral – Outra capa que teve muita repercussão foi a dos paulistas. Quando saímos da prisão o jornal vendia uns 60 mil e não conseguíamos mais chegar aos 100 mil. Aí percebemos que o jornal fazia muito sucesso no Rio e pouco em São Paulo. Ziraldo então bolou a manchete que nos trouxe de volta aos 100 mil: “TODO PAULISTA É BICHA”! Só que escrito, no meio, com letras bem pequenas: “que não gosta de mulher”. Isso repercutiu de tal maneira que recebemos centenas de ligações ameaçadoras na redação, a Assembléia de SP reagiu, a Câmera de Vereadores da cidade apresentou protestos… e a partir daí o jornal vendeu bem em SP.

AS ENTREVISTAS DO PASQUIM

Ziraldo – No começo o que fazia mais sucesso no Pasquim eram os Fradinhos, criados pelo Henfil. Os posters também, como aquela que fiz mostrando a origem do grito do Tarzan e que hoje é reproduzida por toda parte. Com o tempo o destaque passou a ser as entrevistas.

Jaguar – As entrevistas foram outra coisa do Pasquim que revolucionou a imprensa brasileira e que surgiu por acaso. Teve coisas que realmente foram pensadas: ter vários entrevistadores, abrir espaço para os comentários desses entrevistadores, colocar o entrevistado na roda, levar bastante uisque para o entrevistado se descontrair. Mas o principal, que foi o uso da linguagem coloquial, nasceu da minha inexperiência jornalística. A primeira entrevista foi com Ibrahim Sued, que inclusive nos contou em primeira mão que o presidente do Brasil depois do Costa e Silva seria o Médici. Mas a entrevista ficou muito comprida e ninguem teve saco de transcrever. Sobrou para mim. Eu nunca tinha feito aquilo e datilografei exatamente como as pessoas estavam falando. Tinha uns pedaços inclusive onde eu não entendia todos falavam ao mesmo tempo e eu não entendi nada, então fui colocando: (risos) ou (gritaria) Na hora de fechar o jornal é que o Tarso e o Sérgio me perguntaram: “Ué Jaguar, você não fez o copidesque”? Mas aí não dava mais tempo e foi para a gráfica assim mesmo.

Ziraldo – Logo depois veio a entrevista de Leila Diniz, que foi um sucesso tão grande que as bancas vendiam fitas piratas dessa gravação. O interessante é que o maior impacto dessa entrevista foi uma mulher dizendo tantos palavrões, mas na entrevista mesmo não tínha nenhum palavrão, só aparecia uns símbolos assim: &$#*! Outras grandes entrevistas foram as de Madame Satã e de Natal da Portela. Uma conversa deslumbrante foi com Sobral Pinto. E a do Mário Pedrosa, que durou nove horas e foi publicada durante sete edições? Nós entrevistamos todos os grandes políticos dos anos 70 e 80. As entrevistas com os exilados, feitos na Europa, foram fundamentais para que se decretasse a Anistia. Quando Gregório Bezerra chegou de volta ao Brasil perguntaram qual o primeiro lugar em que gostaria de ir e ele disse: “Na redação do Pasquim”. Isso é que é uma glória para um jornal! E a entrevista com Gabeira, que mudou a história da esquerda brasileira?

A PRISÃO DO PASQUIM

Jaguar – O que motivou a prisão foi uma piada absolutamente ridícula. O maestro Erlon Chaves tinha uma música de muito sucesso chamada “Quero Mocotó”. Uma semana, na hora de mandar o jornal para a gráfica, faltou um anúncio e ficamos com meia página vazia. Tive que inventar algo na hora: vi uma reprodução daquela pintura famosa do Pedro América, às margens do Ipiranga, e colei em cima um balão com Dom Pedro proclamando: “Eu quero mocotó”! E fomos para o Jangadeiros beber. Daí a alguns dias eu estava sendo preso por ter “conspurcado um símbolo da Pátria”. Não adiantou eu explicar que símbolo da Pátria é a bandeira, o brasão da República, não uma pintura horrorosa como aquela.

Ziraldo – Erlon Chaves inclusive apresentou essa música no Maracanãzinho e quando saiu do palco foi preso. Ele, um crioulo, colocou uma loura rebolando de maneira erótica na frente dele, algum general não gostou e mandou prendê-lo por atentado violento ao pudor. Era uma época em que prendiam as pessoas por qualquer motivo. Ivan Lessa foi enquadrado por ter escrito a palavra “porrada”. Carlos Imperial fez um cartão de natal onde ele aparecia sentado na privada e foi preso. Com isso ele virou um herói da esquerda! Dizia: “O que comi de comunistinha com essa foto…” Nessa prisão que estamos contando, acho que foram inventando à medida que éramos presos, pois não havia um crime claro, eles não sabiam como nos enquadrar. Eu fui enquadrado inclusive na Lei Afonso Arinos – incentivo ao racismo – por ter escrito uma nota onde dizia justamente que Erlon Chaves não tinha honrado a raça negra. Não havia um comando claro entre os militares. Havia vários núcleos sobrepostos. Nós inclusive custamos a ser soltos porque ninguém sabia ao certo quem tinha mandado nos prender mas ao mesmo tempo não queriam magoar quem tinha nos prendido. Explicavam para a gente: “Sabe como é, meu colega vai ficar chateado…”

Sérgio Cabral – Nunca houve uma acusação clara. Fomos enquadrados em vários artigos e acusados de sermos desde comunistas a corruptores de menores. Ficamos presos dois meses, de início de novembro a 31 de dezembro. Invadiram a redação e a maioria das pessoas foi presa em suas próprias casas. Paulo Garcez foi preso na noite de núpcias, indo à padaria comprar pão! Alguns de nós, como eu e Jaguar, nos apresentamos. Fui de táxi, disseram que dariamos apenas um depoimento e iríamos embora. Tarso fugiu e só conseguiram prendê-lo nove dias depois. Além dos já citados, foram em cana também Fortuna, Paulo Francis, Flávio Rangel, Luis Carlos Maciel e Ziraldo. Ficamos no Batalhão de Manutenção dos Paraquedistas. Um dia chegaram gritando “Atenção!”, e chamaram a mim, Ziraldo, Fortuna e Maciel pelo nome completo, pedindo que reunissemos nossos pertences. Ficamos felicíssimos, pensando que seríamos soltos mas nos puseram num carro, rodamos, rodamos, e fomos para outro quartel na Vila Militar. Houve um momento inclusive em que se dizia que seríamos trocados por um embaixador sequestrado e ficamos incomunicáveis por 15 dias. Fiquei uma semana também numa solitária, onde sobrevivi porque eu tinha uma lata de Neocid Floral e passava o tempo torturando as baratas. De um modo geral, os militares nos trataram bem, mas havia sempre a ameaça de que uma turma mais barra pesada invadiria o quartel e nos levaria dali para sermos fuzilados.

Ziraldo – A recíproca nem sempre era verdadeira. Paulo Francis ficava sacaneando o sargento que prendeu ele e Flávio Rangel: “Sargento, o senhor sabe o nome do camarada que prendeu Tiradentes? Do Tiradentes o senhor sabe, né”?

Sérgio Cabral – Francis teve também uma cena de interrogatório onde insistiam em perguntar: “O senhor assinou alguma monção em favor do editor Ênio Silveira”? “Não.” “O senhor assinou essa monção que eu sei!” “Não.” “Mas o senhor insiste! Seu nome está aqui!” “Capitão, monção não se assina. Monção é um fenômeno pluviométrico. Eu assinei uma moção!” E como Francis escrevia muito sobre Freud no Pasquim, teve o tenente que o procurou um dia muito sem graça: “O senhor que entende muito dessas coisas… podia me aconselhar… é que minha mulher é muito fria…” Outra situação bem brasileira; o Tenente Carreteiro, nosso carcareiro, veio perguntar para nós – acusados de sermos comunistas – se conhecíamos alguém no Consulado Americano. Realmente conhecíamos um adido cultural muito simpático – que nos mandou uisque e caviar para nossa ceia de Natal na prisão – e conseguimos uma carta de apresentação para este tenente, que foi para os EUA e se tornou um hoteleiro de sucesso!

Ziraldo -Teve muitos episódios dignos do filme “Mash”. Ao final da prisão as pessoas foram sendo levadas cada uma para um quartel diferente e eu fiquei sozinho na Vila Militar. O comandante veio se queixar comigo: “Pô, estão levando os meus presos todos! Negócio seguinte, eu vou trancar você aqui e vou levar a chave para casa. Se alguém aparecer aqui de madrugada querendo te levar, só indo falar comigo em Copacabana”. Ai perguntei: “E se pegar fogo? Como vão me tirar”? “Minha Nossa Senhora, isso é verdade! Fica você então com a chave!” E me deu! Ao mesmo tempo, tinha o pessoal militante mesmo que levava a coisa a sério. Chegaram lá uns marinheiros todo arrebentados e fui pedir ao comandante para arrumar uns remédios para eles. Ficaram indignados comigo: “Não se dirija a esse representante da ditadura”!

Sérgio Cabral – E o mais estranho é que não se podia dizer no Pasquim que estávamos presos. No máximo, saiu publicado que estávamos gripados. Mas o jornal continuou saindo mesmo sem a gente, graças a mais de 200 pessoas que acorreram para a redação: Antonio Callado, Rubem Braga, Glauber Rocha, Juarez Machado, Prudente de Moraes Neto, até Roberto Carlos…

Sérgio Augusto – Sérgio Cabral me convidou para colaborar com o jornal mas passei mesmo a conviver com a redação do Pasquim quando eles foram presos e vários jornalistas fizeram um mutirão para manter o jornal funcionando. Escrevíamos e desenhávamos como se fossem eles, mas assinando Interino. Quem tocou mais a redação nesses meses fomos Marta Alencar, Miguel Paiva, Henfil. Millôr e eu. Quando foram soltos continuei por lá. Teve uma época no início dos anos 70 em que fui o editor do jornal, e a partir de 74, quando Ivan Lessa veio de Londres, ficamos os dois editando as Dicas, e eu escrevendo uma espécie de editorial que era “É Isso Aí”.

A CENSURA AO PASQUIM

Sérgio Cabral – No início nós meio que pegamos a ditadura de surpresa, não sabiam muito bem o que fazer com a gente, mas depois da prisão a censura apertou muito sobre o jornal. Tivemos um período terrível com a Dona Marina, que inclusive comparecia diariamente à redação para censurar tudo que produzíamos.

Jaguar – Até que a gente descobriu que ela gostava muito de beber. Nós sempre bebíamos muito na redação e passamos a deixar, distraidamente, uma garrafa de uisque sobre a mesa dela. Quando ela finalmente, após várias semanas, se permitiu tomar algumas doses, tornou-se uma pessoa muito mais camarada. É por isso que dizem que a bebida aproxima as pessoas! Depois despediram a Dona Marina e colocaram o General Juarez, pai da Garota de Ipanema.

Sérgio Cabral – Esse general assumiu para ser extremamente rigoroso. Chamou eu, Jaguar e Ziraldo para uma reunião às oito da manhã na polícia. Imagine nós sentados ali, diante de um general, em 1970! “Quero dizer que existem duas coisas que sei fazer muito bem. Uma é montar a cavalo. Praticamente nasci em cima de um cavalo. Sou um homem de Cavalaria. Eu e meu cavalo somos grandes amigos. E a outra é trepar. Ontem mesmo encontrei uma mulher…” E começou a contar vários casos amorosos! Era esse o nosso censor!

Ziraldo – Toda semana nós tínhamos que levar o material do jornal para ele censurar e aí nos recebia num apartamento que era a sua garçonierre! Ele levava o material lá para dentro para ler enquanto a gente esperava na sala conversando com mulheres. Às vezes quando eu mostrava para ele a seção de anedotas, ele reclamava: “Isso aqui está muito fraco! Toma aqui umas anedotas que escrevi para vocês”! E entregava umas piadas bem pesadas, que qualquer outro censor vetaria!

Sérgio Augusto – Ele gostava também de nos receber enquanto jogava biriba com os outros oficiais, para mostrar como ele era enturmado com os intelectuais… Mas do Francis ele não gostava, principalmente porque ele não entendia nada do que o Francis escrevia, e sempre achava que tinha alguma sacanagem oculta ali que poderia criar problema para ele. Uma vez também Ziraldo viu na redação uma foto de uma estrada indo em direção ao horizonte e comentou que era muito fálica. Ivan Lessa observou que, pelo contrário, lembrava uma coisa feminina, então Ziraldo queria publicar a foto para que os leitores sugerissem qual seria o termo feminino correspondente a fálico. Foi cortado. Aí Jaguar foi lá argumentar: “Mas isso aqui é uma brincadeira, uma piada inocente..” “Vocês pensam que me enganam?! Isso é uma estrada não é? Tão dizendo que é fálica! Tão criticando a construção da Transamazônica!” Ele achou que fálico vinha de falha!

Maciel – Eu escrevia uns poemas sem pé nem cabeça e o censor sempre cortava. Uma vez Ziraldo falou para ele: “Mas general, ninguém entende nada desse poema, vai cortar para que”? “Por isso mesmo! Escrevendo assim desse jeito está querendo dizer que está sob censura, mas isso é uma mentira dele! Não tem censura nenhuma! Por isso é que eu…” E tascou um X em cima!

A BARRA PESADA DO PASQUIM

Jaguar – Essa fase mais informal em que tínhamos um contato direto com os censores durou até 1973 quando eu encontrei uma antropóloga americana que estava aqui no Brasil, uma negona bonita chamada Angela Gilliam, e fizemos uma entrevista com ela sobre o racismo, uma coisa que os militares não admitiam de jeito nenhum que existia no Brasil. Isso deu tanta confusão que a censura prévia passou a ser feita em Brasília. Tínhamos que mandar tudo para lá, eles eram muito mais rígidos, toda semana tínhamos que produzir o equivalente a tres edições para ver se deixavam passar pelo menos o suficiente para encher o jornal. Cortavam coisas sem o mínimo sentido e ainda destruíam nossos originais. Quando acabou a censura prévia, passaram a apreender o jornal, como quando houve o atentado no Riocentro e publicamos na capa a foto do Puma provando que a bomba tinha estourado no colo do sargento. Com cada apreensão tomávamos um grande prejuízo.

Sérgio Cabral – Quando a redação era na Clarisse Índio do Brasil puseram uma bomba no Pasquim. A sorte foi que a quina da lata onde estava a bomba tinha uma ponta que caiu em cima do pavio e cortou. Segundo a polícia, se aquela bomba tivesse estourado o bairro de Botafogo iria pelos ares, porque tinha um gasômetro ali do lado.

Ziraldo – E finalmente veio o golpe de mestre que foi passarem a incendiar as bancas que vendessem o Pasquim. Só os jornaleiros muito heróicos continuaram a receber o jornal. A partir de 80, quando morreu Petrônio Portella, começaram esses atos de terror e isso foi o começo do fim do Pasquim, um desastre, a empresa ali afundou de vez.

Sérgio Cabral – Mas o Pasquim viveu moribundo mais uns dez anos graças ao Jaguar, que ficou tão sem dinheiro que por um tempo dormia na própria redação do jornal. De todos nós, Jaguar foi o mais apaixonado pelo jornal: ele foi realmente a alma do Pasquim.

Ziraldo – E como bom almirante afundou com o navio.

Jaguar – É isso aí: eu fundei o Pasquim e afundei com o Pasquim.

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