O ódio de Trump joga o mundo de volta à idade média
O ódio que permeia as relações sociais no século XXI, turbinado nas redes sociais, é ainda mais vigoroso e perverso que na idade média
Por >Florestan Fernandes Jr*
Em plena era digital, quando os avanços tecnológicos nos colocam num mundo virtual jamais imaginado e o que se esperava era um salto civilizatório proporcional, o que vemos e temos é um retrocesso humanístico sem precedentes. É como se todas as distorções, mazelas sociais e angústias pensadas na imaginação inventiva dos escritores distópicos convergissem para um só momento: os dias que vivemos.
Nas relações sociais voltamos a algo parecido com os da Idade Média. No seu livro “Critique de l’économie numérique”, o economista francês Cédric Duran demonstra, a partir de estudos consistentes, que o avanço tecnológico é uma ilusão que vem sendo instrumentalizada pelos criadores das grandes empresas de tecnologia como forma de dominação e exploração dos internautas ocidentais. É através desse avanço que as conhecidas democracias capitalistas estão sendo corroídas, uma a uma, mundo afora. A volta de Trump ao poder, mesmo depois da invasão do Capitólio, numa tentativa clara de golpe de estado, é a melhor prova disso.
Para Duran, estamos entrando na era do Tecnofeudalismo, onde os novos senhores feudais se impõem através da exploração de dados e do alto grau de dependência de tecnologias digitais das imensas massas humanas.
Faço essa introdução para refletirmos sobre a ameaça representada pela ocupação das mentes e dos corações dos usuários aprisionados pelas plataformas, cujo representante maior hoje é o presidente do mais poderoso país do planeta, os Estados Unidos da América.
Desde sua posse em 20 de janeiro, Trump assinou mais de 70 decretos, o que é estratégico para os planos de impor um estado autocrático nos EUA. Boa parte desses decretos permite ao presidente dos EUA adotar medidas sem a aprovação do Congresso e, muitas delas contrariando a constituição do país. Produzindo medidas no atacado, o governo estadunidense dificulta o conhecimento e as críticas a elas. Num primeiro momento, o decreto que mais impactou o mundo foi o que estabelece uma verdadeira caça aos imigrantes e refugiados que entraram ilegalmente nos EUA.
Após ameaçar a tomada do Canadá, Groenlândia, Panamá, Trump propôs na quarta-feira (05/02) uma limpeza étnica de palestinos, roubando suas terras.
Promete ainda enviar 30 mil imigrantes e deportados nos EUA, considerados de “alta periculosidade”, para a prisão estadunidense de Guantánamo. Uma afronta autoritária aos princípios básicos dos direitos humanos. Esses presos não terão nenhum tipo de proteção jurídico e política. Como bem lembrou o professor Pedro Serrano no Boa Noite 247, isso que está ocorrendo com os imigrantes é muito grave: “Há uma legitimação estatal da tortura, da perseguição física, do aprisionamento sem processo. Para Serrano, ao combater o inimigo representado pelo imigrante, o governo se vale de decretos que suspendem diversos direitos de segmentos sociais do próprio Estados Unidos.
O ódio que permeia as relações sociais no século XXI, turbinado nas redes sociais, é ainda mais vigoroso e perverso que na idade média.
E Umberto Eco, a meu ver, deu a melhor explicação para o sucesso desse ódio desencadeado pelo “novo nazismo” mundial:
“O amor é extremamente seletivo. Se eu te amo, eu quero que você me ame de volta. Eu não quero que você ame outra pessoa. E não quero que a outra pessoa te ame. E assim por diante. Então, isso restringe as relações humanas. Enquanto o ódio é generoso! É caloroso. Ele une todas as pessoas contra outras pessoas. É por isso que é usado por políticos tão frequentemente. Eles não clamam por amor, eles clamam por ódio. ‘você deve morrer lutando contra o inimigo.’ O governo nunca diz que você tem que amar uns aos outros. E a única forma de escapar da tentação do ódio é o humor.”
Esse sentimento de ódio que se sobrepõe ao amor, descrito por Umberto Eco, é o que nos diferencia dos animais irracionais. O homem é o único animal na face da terra que mata seus semelhantes por inveja, racismo, preconceitos, ganância. Ou seja, um campo fértil para expansão do Tecnofeudalismo.
Se o ódio tem que ser combatido com humor, sugiro aos leitores se deliciarem todos os dias com nossos chargistas . Afinal, “a arte existe porque a vida não basta.”
*Florestan Fernandes Júnior é jornalista, escritor e Diretor de Redação do Brasil 247